Veredito Após Mais de Duas Décadas
Vinte e três anos após o surgimento do escândalo, a Justiça de Mato Grosso do Sul publicou, nesta quinta-feira (25), a sentença referente ao caso das “funcionárias fantasmas” no Tribunal de Contas do Estado (TCE/MS). Das sete mulheres inicialmente acusadas de receber salários sem efetivamente trabalhar, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, decidiu pela condenação de três delas, enquanto as outras quatro foram absolvidas.
As irregularidades ocorreram durante um período de 17 meses, entre março de 2001 e julho de 2002, configurando um ato de improbidade administrativa que gerou danos ao erário público.
As Condenadas e Suas Irregularidades
O magistrado fundamentou a condenação das ex-servidoras Neli Aparecida Todsquini, Marlene Cerzózimo e Regina Marina Aparecida Câmara com base em provas robustas, incluindo processos administrativos disciplinares que culminaram em suas demissões. Segundo a sentença, ficou comprovado que elas se ausentaram do serviço por mais de 60 dias injustificadamente no período investigado, mas continuaram a receber integralmente suas remunerações.
“Em relação às requeridas Neli Aparecida Todsquini, Marlene Cerzózimo e Regina Marina Aparecida Câmara, a prova colhida demonstra que foram submetidas a processo administrativo disciplinar devidamente instaurado pelo gabinete da Presidência do TCE/MS que culminou na demissão das referidas requeridas em razão de não comparecerem ao serviço por mais de 60 dias injustificadamente, no período compreendido entre os meses de março de 2001 a julho de 2002, tendo recebido integralmente as respectivas remunerações (fls. 943-76), o que é incontroverso nos autos, sendo que a primeira requerida nominada afirma que se ausentou em razão de licença para tratar de assuntos particulares e as demais por licença por motivos de saúde”, detalhou o juiz Corrêa em sua decisão.
Os valores recebidos indevidamente por cada uma das condenadas foram:
- Neli Aparecida Todsquini (Auditora de Controle Externo): R$ 30.430,00
- Regina Marina Aparecida Câmara (Assistente de Apoio Técnico): R$ 26.979,32
- Marlene Cerzózimo (Agente de Serviços Gerais): R$ 6.563,33
As três mulheres foram sentenciadas a restituir os valores ao erário, com correção monetária aplicada inicialmente pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), seguida pela taxa da poupança e, posteriormente, pela taxa Selic. Elas ainda possuem o direito de recorrer da sentença.
As Quatro Absolvidas: Falta de Provas
Por outro lado, o juiz julgou improcedente a denúncia contra Lídia de Paula Valenzuela dos Santos, Natalia Maria Idalo Zogbi, Noely Rabello de Barros Trindade e Tania Maria Froes Cerzózimo. Para o magistrado, não houve comprovação suficiente de que estas quatro mulheres se ausentaram do serviço de forma injustificada no período em questão, ou mesmo que suas ausências tenham ocorrido nos meses investigados.
“Quanto às requeridas Lídia de Paula Valenzuela dos Santos, Natalia Maria Idalo Zogbi, Noely Rabello de Barros Trindade e Tania Maria Froes Cerzózimo, não há prova suficiente de que tenham se ausentado no período ou que eventual ausência tenha se dado de maneira injustificada, o que obsta a condenação por não estarem presentes os requisitos para a configuração de ato de improbidade administrativa que causa dano ao erário”, explicou o juiz.
O Ministério Público Estadual (MPE) tem a prerrogativa de recorrer da decisão, podendo buscar a condenação das quatro mulheres que foram absolvidas nesta primeira instância.
O Escândalo no TCE: Relembrando o Caso
O episódio que deu origem a este longo processo judicial veio à tona no início da década de 2000. Na época, o Tribunal de Contas do Estado, uma instituição cuja principal função é fiscalizar a correta aplicação dos recursos públicos e servir de exemplo em gestão, foi alvo de denúncias graves. A acusação central era o pagamento de salários a funcionários que não compareciam ao trabalho, popularmente conhecidos como “funcionários fantasmas”.
Uma investigação interna, denominada “pente-fino”, foi realizada em um universo de 103 funcionários. Deste total, sete foram identificados como supostos “fantasmas”, recebendo seus vencimentos sem cumprir suas obrigações laborais. O caso gerou grande repercussão na sociedade, levantando questionamentos sobre a integridade e a transparência da administração pública na época.
Entenda a Improbidade Administrativa e o Papel do TCE
O Tribunal de Contas do Estado (TCE) é um órgão de controle externo que auxilia o Poder Legislativo na fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos e entidades da administração pública. Sua função primordial é garantir a boa e regular aplicação dos recursos públicos, verificando a legalidade, legitimidade e economicidade dos atos administrativos. No caso do TCE/MS, ele fiscaliza as contas do governo de Mato Grosso do Sul e de seus municípios.
A improbidade administrativa, por sua vez, refere-se a atos praticados por agentes públicos (ou terceiros que se beneficiam deles) que causam prejuízo ao erário, enriquecimento ilícito ou que atentam contra os princípios da administração pública. Receber salário sem trabalhar, como no caso das ‘funcionárias fantasmas’, é um exemplo clássico de ato de improbidade que causa dano ao erário, pois o dinheiro público é desviado sem a contraprestação de serviço.
A longa duração do processo, que se estendeu por 23 anos, é um reflexo da complexidade do sistema judicial brasileiro e da necessidade de garantir o devido processo legal, com amplas oportunidades de defesa e recurso, mesmo em casos que parecem evidentes. Casos como este reforçam a importância da vigilância e da transparência na gestão pública para evitar o desvio de recursos que deveriam ser aplicados em serviços essenciais à população.
