As recentes alterações na Lei de Improbidade Administrativa, promulgadas em outubro de 2021 pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), continuam a gerar repercussões significativas no sistema judiciário. Em um dos desdobramentos mais recentes, réus de uma ação que busca o ressarcimento de R$ 369 milhões por supostas irregularidades no serviço de tapa-buracos em Campo Grande tiveram seus bens desbloqueados pela 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos.
O Caso Tapa-Buracos: Acusações e Valores
A controvérsia teve início em 2017, quando o Ministério Público Estadual (MPE) apresentou denúncia contra os ex-prefeitos de Campo Grande, Nelsinho Trad (PSD) e Gilmar Olarte (sem partido), por alegadas fraudes em processos licitatórios e superfaturamento na execução da operação tapa-buracos. A investigação apontou que a empresa LD Construções, pertencente a Lucas e Luciano Potrich Dolzan, teria desviado R$ 26,5 milhões de um total de R$ 28,398 milhões pagos pela prefeitura entre os anos de 2010 e 2015. Inicialmente, a Justiça havia determinado a indisponibilidade de bens dos acusados, somando R$ 85,9 milhões, medida que agora está sendo progressivamente revertida.
Impacto da Nova Lei de Improbidade Administrativa
A Lei nº 14.230/2021, que modificou a Lei de Improbidade Administrativa, introduziu novas exigências para a decretação de bloqueio de bens. Anteriormente, a indisponibilidade podia ser determinada com base em indícios de irregularidade. Com a nova legislação, tornou-se mandatório demonstrar de forma concreta o “perigo irreparável” ou o “risco ao resultado útil do processo” para justificar o bloqueio de bens e contas bancárias. Essa mudança tem sido o fundamento para diversas decisões de desbloqueio em varas judiciais.
Decisão Judicial e Fundamentação
O juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, titular da 1ª Vara de Direitos Difusos, acatou o recurso apresentado pela LD Construções Ltda., Luciano Potrich Dolzan e Lucas Potrich Dolzan, determinando o desbloqueio de seus bens. O magistrado explicou sua mudança de entendimento, alinhando-se à nova interpretação da lei:
“Ainda que em anteriores decisões tenha me posicionado no sentido de que a mera alteração legislativa não seria motivo suficiente para justificar o reexame do provimento outrora deferido por não se enquadrar tal alteração estritamente como uma transformação da situação de fato, passei a entender, conforme parcela da doutrina, que não apenas a nova circunstância fática pode justificar uma revisão da decisão que concedeu a tutela de urgência como se supôs inicialmente, mas também a nova circunstância jurídica, que é justamente o caso da alteração legislativa promovida pela Lei nº. 14.230/2021, de modo que a imposição de demonstração deste novo pressuposto para concessão da medida (perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo com vedação legal de sua presunção), somado à precariedade da decisão que concede uma tutela provisória, o que se extrai do artigo 296, caput, do CPC, possibilitam o seu reexame”
Com base nessa fundamentação, o juiz Corrêa concluiu que o bloqueio dos bens dos empresários deveria ser revertido, pois não foi demonstrado, de forma concreta, atual e específica, o requisito do perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, conforme exigido pelo artigo da nova lei. A decisão foi publicada no Diário de Justiça na quinta-feira, 5 de maio.
Detalhes do Desbloqueio e Próximos Passos
Na sua deliberação, o juiz acolheu os embargos de declaração apresentados pelos requeridos, deferindo o pedido de cancelamento da indisponibilidade dos bens da LD Construções Ltda., Luciano Potrich Dolzan e Lucas Potrich Dolzan. A determinação inclui o levantamento das indisponibilidades que recaíram sobre os bens dos mencionados. Após o cumprimento dessas medidas, os autos serão encaminhados para saneamento do feito.
É importante ressaltar que o ex-prefeito Nelsinho Trad, atualmente senador, já havia conseguido o desbloqueio de seus bens em uma instância superior, por meio de um recurso no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Outros réus na mesma ação também já obtiveram decisões favoráveis de desbloqueio anteriormente, indicando uma tendência de revisão de medidas cautelares em decorrência da nova legislação.
Repercussões da Lei de Improbidade
A Lei nº 14.230/2021, que alterou a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), trouxe mudanças significativas que impactam diretamente a condução de processos por atos ilícitos contra a administração pública. Entre as principais modificações, destaca-se a exigência de dolo (intenção) para a caracterização da maioria dos atos de improbidade, o que antes podia ser configurado por culpa (negligência). Além disso, a nova legislação impôs critérios mais rigorosos para a decretação de medidas cautelares, como o bloqueio de bens, exigindo a demonstração concreta de risco ao resultado útil do processo. Essas mudanças têm gerado debates jurídicos e levado à revisão de diversas decisões judiciais em andamento, influenciando o desfecho de inúmeras ações de ressarcimento e punição por desvios de recursos públicos em todo o país.