Em uma decisão marcante e considerada histórica pela agilidade da Justiça Estadual de Mato Grosso do Sul, o juiz Bruce Henrique dos Santos Bueno Silva, da Vara Criminal de Sidrolândia, proferiu a primeira sentença da Operação Tromper. A condenação recaiu sobre cinco empresários e dois servidores públicos, totalizando 111 anos e 11 meses de prisão por envolvimento em desvios milionários na prefeitura municipal.
A sentença, detalhada em 137 páginas e prolatada às 19h35 da última sexta-feira, 8 de agosto, responsabiliza os réus por crimes de corrupção, peculato, organização criminosa e fraude em licitações, evidenciando um esquema complexo e duradouro de apropriação de recursos públicos.
As Condenações e as Maiores Penas
Entre os condenados, a pena mais severa foi imposta ao empresário e ex-candidato a vereador Ueverton da Silva Macedo, conhecido como Frescura (PSD), que recebeu uma sentença de 37 anos, 10 meses e oito dias de reclusão. Macedo, que está preso desde outubro do ano passado, não terá o direito de apelar em liberdade e permanecerá detido.
A segunda maior condenação foi aplicada ao empresário Ricardo José Rocamora Alves, sentenciado a 28 anos, três meses e 20 dias de prisão. Ambos foram considerados peças-chave na engrenagem criminosa desvendada pela Operação Tromper.
Processos Suspensos por Delação Premiada
O magistrado decidiu suspender os processos em relação ao ex-servidor Tiago Basso da Silva e ao advogado Milton Matheus Paiva Matos. A suspensão se deu em decorrência de acordos de delação premiada firmados por ambos, cujas colaborações foram cruciais para corroborar as investigações conduzidas pelo Ministério Público Estadual.
A Agilidade Inédita da Justiça Estadual
A celeridade com que a Justiça Estadual de Mato Grosso do Sul concluiu este julgamento e aplicou as sanções é um fato notável, especialmente em casos de corrupção de grande vulto, que frequentemente se arrastam por anos. A rapidez na punição dos envolvidos é um marco para o combate à corrupção no estado.
A Análise Detalhada do Magistrado
Ao longo da extensa sentença, o juiz Bruce Henrique dos Santos Bueno Silva procedeu a uma análise minuciosa de cada um dos crimes imputados pelos promotores Bianka Mendes, Adriano Lobo Viana de Resende e Humberto Lapa Ferri. Ele avaliou as defesas apresentadas pelos réus e, de forma exaustiva, enumerou as provas coletadas durante a Operação Tromper. Essas evidências incluíram documentos apreendidos, além de quebras de sigilos bancário, fiscal e telemático, que revelaram a profundidade e a articulação do esquema.
“Reportando-me às provas individuais de cada um dos fatos criminosos anteriormente apreciados nesta decisão – cujo conteúdo evito reproduzir para evitar repetição desnecessária –, conclui-se que houve a arquitetura de verdadeira organização voltada à prática de crimes contra a administração e o patrimônio público”, pontuou o magistrado.
“Com base na análise minuciosa dos autos, constata-se que os fatos apurados não representam episódios isolados, mas sim fases sucessivas e articuladas de um mesmo projeto criminoso coletivo, iniciado em 2018 e mantido de forma contínua e progressivamente mais sofisticada até, pelo menos, o ano de 2023”, frisou o juiz, destacando a evolução e o planejamento do esquema.
A Evolução do Esquema Criminiso
O juiz detalhou que a atuação da organização criminosa teve seu início identificado em 2018. Inicialmente, as fraudes eram de menor vulto, focadas em licitações e manipulação de orçamentos, limitadas ao direcionamento de certames. Um exemplo citado foi o Fato 2 – Carta Convite n. 012/2018, que envolveu Ueverton da Silva Macedo, Odinei Romeiro de Oliveira, Roberto da Conceição Valenzuela e Ricardo da Conceição Valenzuela.
A estrutura criminosa não surgiu de forma abrupta, mas evoluiu gradualmente. De fraudes na seleção de licitações, migrou para práticas mais sofisticadas, como sobrepreço, falsidade ideológica, corrupção ativa e passiva, e fraude na execução contratual, demonstrando uma crescente complexidade e audácia.
A Estrutura da Organização Criminosa
A organização estava meticulosamente estruturada para operar na Prefeitura Municipal de Sidrolândia, atuando em diferentes frentes para garantir o sucesso dos desvios. O juiz identificou três núcleos principais:
O Núcleo Empresarial
- Integrantes: Odinei Romeiro de Oliveira, Roberto da Conceição Valenzuela, Ricardo da Conceição Valenzuela, Evertom Luiz de Souza Luscero, Milton Matheus Paiva Matos, Marcondes (titular da empresa Marcondes Serviços), e Ricardo Rocamora.
- Função: Esses indivíduos eram proprietários formais ou controladores indiretos de empresas que serviam para simular a concorrência em licitações, formalizar contratos previamente direcionados e dissimular a real execução dos serviços. Sua atuação era essencial para conferir uma aparência de legalidade aos processos, ocultando o conluio interno que orquestrava desde a montagem das licitações até o recebimento indevido de verbas públicas.
A Execução Material dos Contratos
- Integrantes: Adilson Vieira de Macedo, pai de Ueverton.
- Função: Responsável pela execução material dos serviços contratados, sem qualquer formalização empresarial. Adilson era dissimuladamente vinculado às empresas do grupo. Os pagamentos que recebia eram fragmentados e em valores inferiores aos contratados, uma tática para ocultar a verdadeira prestação de serviços, fraudar a execução contratual e esconder os beneficiários finais dos recursos públicos.
O Núcleo na Administração Pública
- Integrantes: Carlos Alessandro da Silva (posteriormente absolvido), Flávio Trajano Aquino dos Santos, César Augusto dos Santos Bertoldo e Tiago Basso da Silva (que fez delação premiada).
- Função: Servidores estratégicos que manipulavam os processos licitatórios, direcionavam as empresas vencedoras, atestavam falsamente a execução contratual e liberavam pagamentos indevidos. A adesão desses agentes públicos ao esquema era mantida por pagamentos regulares de propina, registrados por meio de transferências bancárias diretas e depósitos em contas pessoais e empresariais. Eles subvertiam suas funções de controle interno e fiscalização para atender aos interesses do grupo criminoso.
O Papel Central de Rocamora
O juiz enfatizou que a atuação de Ricardo Rocamora ia além da mera função de empresário fraudador. Ele exercia uma gestão paralela da “máquina criminosa” ao lado de Ueverton, sendo corresponsável pela manutenção, expansão e sofisticação das práticas delitivas. Essa liderança compartilhada demonstra a complexidade da hierarquia dentro da organização.
O magistrado detalhou a atuação do grupo no município, que estava sob a gestão de Vanda Camilo (PP) na época dos fatos. A conduta do grupo revelou um “dolo coletivo altamente desenvolvido”, voltado para a prática coordenada e planejada de atos ilícitos.
“Assim, os atos praticados não foram isolados nem tampouco desconexos: fazem parte de uma engrenagem delitiva coordenada, planejada e estruturada, com incremento progressivo da sofisticação das fraudes e com repartição dos lucros ilícitos entre os núcleos envolvidos”, destacou o juiz, reforçando a natureza sistêmica dos crimes.
Penalidades Adicionais e Reparação
Além das penas de prisão, Ueverton da Silva Macedo (Frescura) e Ricardo José Rocamora Alves foram condenados a restituir R$ 349.900,00 aos cofres municipais de Sidrolândia. Ambos também sofreram a perda da função pública e foram proibidos de serem contratados por qualquer órgão público pelo período de oito anos, visando impedir futuras atuações em cargos ou contratos com a administração pública.
Lista dos Condenados e Respectivas Penas:
- Ueverton da Silva Macedo (Frescura): 37 anos, 10 meses e 8 dias de prisão.
- Ricardo José Rocamora Alves: 28 anos, 3 meses e 20 dias de prisão.
- Odinei Romeiro de Oliveira: 11 anos, 1 mês e 10 dias de prisão.
- Roberto da Conceição Valenzuela: 11 anos, 1 mês e 10 dias de prisão.
- Ricardo da Conceição Valenzuela: 11 anos, 1 mês e 10 dias de prisão.
- Flávio Trajano Aquino dos Santos: 6 anos, 8 meses e 20 dias de prisão.
- César Augusto dos Santos Bertoldo: 5 anos, 10 meses e 20 dias de prisão.
Carlos Alessandro Silva foi absolvido das acusações.
Entenda a Operação Tromper e seus Impactos
A Operação Tromper, deflagrada em 2023, teve como objetivo desmantelar um complexo esquema de corrupção e fraudes em licitações e contratos públicos na Prefeitura de Sidrolândia. As investigações revelaram a existência de uma organização criminosa que atuava no desvio de milhões de reais dos cofres públicos, comprometendo a aplicação de recursos em serviços essenciais para a população. Sidrolândia, um município de relevância econômica em Mato Grosso do Sul, tem sido alvo de diversas ações de combate à corrupção em sua administração, refletindo a importância da transparência e da fiscalização na gestão pública.